Ashton Kutcher em cena do filme "The Butterfly Effect" - Créditos: New Line Cinema |
FRUTOS, BORBOLETA: A VIDA
Já está vestido, mas ao se olhar no espelho, instalado no corredor, sente-se nu. Fica incomodado com a imagem. Ao mesmo tempo em que se reconhece, observa-se de outra maneira. Desconhece-se. A velocidade da rotina o afasta dos momentos solitários. Nota um novo cabelo branco, uma espinha, um fio deslocado na sobrancelha. A pele suspirando por vitamina D, por melanina. Uma pinta desconhecida. Quer ficar pelado. A roupa cobre o verdadeiro eu, o interno, o ego. Algumas coisas vão perdendo o significado. Por que me visto assim? Qual será esse uniforme? Qual imagem tenho transmitido por aí? Questionou-se, voltando-se ao seu centro norteador. Lá dentro, algo se moveu.
Entrelaçou os braços no peito, acariciando-se. Sentiu aconchego no sorriso dos olhos. Intuiu amor próprio. Há muitos verões não se amava assim, percebendo-se sem os tecidos, as linhas, os cortes estilísticos. Projetou amor à anatomia, ao ser interno. Decidiu que teria um romance consigo, eternamente. Merecia aquele presente. Sem aniversário, sem calendário, sem celebração. Apenas, o presente. No cérebro, as frases: “cuide-se!” “Comece novamente”. “Por onde?”. Nesse diálogo, recebeu o retorno simples: “por dentro!”. Volte-se para lá.
Diante disso, decidiu se recolher. Era necessário aplicar reciprocidade a partir daquele recado. Valia a pena o recomeço, a troca, o colo, o abraço, o amor recebido e não cobrado. O sentimento direcionado a si mesmo é o combustível que impulsionaria aquela relação. Sem interesse a não ser pelos desejos de sua consciência. Entregou-se ao mistério da luz refletida pelo ouvinte que, literalmente, nada dizia, mas transmitia inúmeras mensagens, agindo como um terapeuta. Disse para a própria boca: “trate-se bem, para receber o melhor. Regue-se com seu amor, o próprio, para florescer, onde a beleza precisa brotar”. Ainda semente, ainda larva, ainda a concepção. A vida prosseguirá, em sintonia, com a natureza.
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Artigo publicado originalmente no site Blog do Juliano
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Juliano Azevedo
Jornalista, Professor, Escritor, Terapeuta
Mestre em Estudos Culturais Contemporâneos
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