Créditos - DC Comics/Divulgação/Reprodução da Internet |
A DC finalmente dá um tratamento legítimo a uma de suas primeiras personagens negras - Núbia, a Mulher-Maravilha. A jovem amazona é o foco da graphic novel "Nubia: Real One", da autora L. L. McKinney ("A Blade So Black") e da artista Robyn Smith ("The Saddest Angriest Black Girl in Town").
Na história, Núbia está "pronta para se tornar a heroína que a sociedade a diz não ser". A sinopse oficial a descreve como uma jovem com poderes de amazona e a quem o mundo se recusa a aceitar como uma Mulher-Maravilha.
A capa divulgada traz a arte majestosa de Smith, enquanto a descrição oficial propõe "Real One" como uma realização para as fãs que ainda precisam de uma Mulher-Maravilha com quem possam se identificar. Além disso, a história também é um excelente começo para o público que nuncasequer ouviu falar da heroína.
Na história, Núbia está "pronta para se tornar a heroína que a sociedade a diz não ser". A sinopse oficial a descreve como uma jovem com poderes de amazona e a quem o mundo se recusa a aceitar como uma Mulher-Maravilha.
Créditos - DC Comics/Divulação/Reprodução |
A capa divulgada traz a arte majestosa de Smith, enquanto a descrição oficial propõe "Real One" como uma realização para as fãs que ainda precisam de uma Mulher-Maravilha com quem possam se identificar. Além disso, a história também é um excelente começo para o público que nunca
Prévia de "Nubia: Real One". Créditos - DC Comics/Divulgação/Reprodução |
A DC Comics é a maior culpada de o grande público não conhecer Núbia em pleno ano de 2020. Uma história centrada na amazona e seu real valor, como a proposta por McKinney e Smith, é algo que a casa ainda deve à personagem em sua continuidade tradicional, 47 anos após sua estreia nas páginas de "Mulher-Maravilha".
Em "Real One", as autoras resgatam a identidade da heroína de forma atual e realista - após quatro décadas de retratos problemáticos, resultado da ignorância da indústria masculina e branca dos quadrinhos.
Quatro décadas em que a amazona, oficialmente, nunca foi trabalhada como a heroína que pode ser. É importante que a DC entenda a proposta de "Real One": os tempos atuais cobram uma melhor representação de Núbia.
Antes da guerreira, a HQ da Mulher-Maravilha já não possuía um histórico positivo no quesito representação. Os criadores William Moulton Marston e H. G. Peter costumavam retratar negros e asiáticos com caricaturas racistas - como esta - e ocasional antissemitismo.
Já à época do surgimento de Núbia, a indústria dos quadrinhos buscava se retrair. Marvel e DC tentavam vestir a camisa do movimento dos direitos civis dos negros com uma safra de novos personagens, incluindo Luke Cage, Misty Knight e Raio Negro.
Embora com boas intenções e diversificando a galeria de heróis das editoras, a indústria era predominada por homens brancos (o que ainda precisa mudar). Resultado: personagens estereotipados e com nomes obrigados a refletir sua etnia.
Núbia sofreu disso e mais - com poucas aparições, ela nunca teve direito a um lugar ao Sol. Mesmo no calor do movimento dos direitos civis, a HQ da Mulher-Maravilha continuou marcada pelo racismo, com a falta de sensibilidade dos autores com Núbia.
De fato, nenhum outro personagem negro de Marvel ou DC Comics é tão marcado por representações deturpadas ou roteiristas insensíveis quanto a princesa amazona da Ilha Flutuante.
Capa de "Nubia: Real One". Graphic novel resgata a identidade da personagem. Créditos - DC Comics/Divulgação/Reprodução |
Em "Real One", as autoras resgatam a identidade da heroína de forma atual e realista - após quatro décadas de retratos problemáticos, resultado da ignorância da indústria masculina e branca dos quadrinhos.
Quatro décadas em que a amazona, oficialmente, nunca foi trabalhada como a heroína que pode ser. É importante que a DC entenda a proposta de "Real One": os tempos atuais cobram uma melhor representação de Núbia.
Já à época do surgimento de Núbia, a indústria dos quadrinhos buscava se retrair. Marvel e DC tentavam vestir a camisa do movimento dos direitos civis dos negros com uma safra de novos personagens, incluindo Luke Cage, Misty Knight e Raio Negro.
Embora com boas intenções e diversificando a galeria de heróis das editoras, a indústria era predominada por homens brancos (o que ainda precisa mudar). Resultado: personagens estereotipados e com nomes obrigados a refletir sua etnia.
Núbia sofreu disso e mais - com poucas aparições, ela nunca teve direito a um lugar ao Sol. Mesmo no calor do movimento dos direitos civis, a HQ da Mulher-Maravilha continuou marcada pelo racismo, com a falta de sensibilidade dos autores com Núbia.
De fato, nenhum outro personagem negro de Marvel ou DC Comics é tão marcado por representações deturpadas ou roteiristas insensíveis quanto a princesa amazona da Ilha Flutuante.
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Criada por Robert Karningher e Don Heck, Núbia debutou em "Wonder Woman #204", em janeiro de 1973. A história foi publicada no Brasil no ano seguinte, em "As Aventuras de Diana" Nº 7.
Primeira aparição de Núbia nas HQ publicada no Brasil. Na época, a Mulher-Maravilha era chamada de "Miss América" pela editora Ebal. Créditos - Reprodução da Internet |
Mais do que uma referência aos núbios da região hoje ocupada por Sudão e Egito, o nome de Núbia se adequa à cor de sua pele. Uma escolha desnecessária e racista, vide que heróis caucasianos como a própria Mulher-Maravilha original, o Batman ou o Super-Homem não foram batizados levando em conta essa característica.
Núbia e Mulher-Maravilha em arte do francês Olivier Coipel, fazendo referência à estreia da guerreira na década de 70. Créditos - DC Comics/Reprodução da Internet |
A chegada de Núbia revelou que Diana não era única: as duas foram moldadas em barro pela rainha Hipólita, concebidas como gêmeas. Ainda bebê, Núbia foi sequestrada pelo machista Ares/Marte, o deus da guerra.
Diana enfrenta Núbia sob a influência de Ares. Créditos - DC Comics/Reprodução |
Em "Wonder Woman #204", Núbia retorna e surpreende Diana e Hipólita como uma misteriosa guerreira de armadura. A desconhecida desafia Diana ao manto de Mulher-Maravilha e vence a batalha, hesitando em matar a irmã.
Núbia parte sugerindo um dia retornar para mostrar quem é a verdadeira digna ao posto.
Os contrastes entre Núbia e Diana nessa fase vão além da aparência e são, no mínimo, discutíveis. Enquanto Diana cresceu cercada de amazonas
O segredo das gêmeas é revelado. Créditos - DC Comics/Reprodução da Internet |
Se as guerreiras caucasianas de Themyscira eram sábias e desfrutavam de tecnologia avançada, Núbia vivia em uma tribo estereotipadamente primitiva.
Adulta e solitária, a amazona passou a liderá-los como princesa - uma líder distante da figura de uma mulher empoderada e mais próxima de um objeto de desejo. Núbia reapareceu em uma história curta em "Wonder Woman #205", passada logo após seu retorno à Ilha. Aqui, ela é surpreendida por dois guerreiros dispostos a morrer em combate para serem seus maridos.
Núbia decide lutar por si própria. Créditos - DC Comics/Reprodução da Internet |
Relutante, a amazona decide travar uma luta... para poder ser dona de se própria. Núbia também caiu no controle psíquico de Ares, sendo utilizada como um peão contra as amazonas. Coube a Diana libertá-la.
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Núbia só voltaria a aparecer de novo em "Supergirl #9". Na história, os autores ignoraram qualquer potencial da personagem ou mesmo uma possível dupla dinâmica com a Garota de Aço. Pelo contrário, a amazona voltou como uma donzela em perigo, vítima de monstros marinhos peçonhentos e reduzida a um mero ponto de trama.
Supergirl resgata Núbia. Créditos - DC Comics/Reprodução da Internet |
Em 1979, o quadrinho baseado no desenho clássico "Super Amigos" trouxe Núbia como uma defensora de mulheres africanas oprimidas.
Fadadas à rivalidade, Núbia e Diana se enfrentam em HQ baseada nos "Super Amigos". Créditos - DC Comics/Reprodução da Internet |
Pela segunda vez, os roteiristas a enxergaram apenas como uma adversária para Diana, ao invés de uma possível aliada. Também pela segunda vez, Núbia era controlada por um vilão, agora o maligno Overlord.
Após a Crise nas Infinitas Terras resetar o Universo DC, uma nova versão da personagem foi criada pelo roteirista Doselle Young, em 1999 - a amazona Nu'Bia (agora lia-se "Nubía"). Modernizada? Sim. Menos discutível? Não mesmo.
Contrastes de teor duvidoso com Diana ainda persistiam nesta era, ainda que Nu'Bia não fosse mais gêmea da Mulher-Maravilha.
Agora nascida uma guerreira entre as demais de Themyscira, Nu'Bia se destacava por ter vencido o mesmo torneio que Diana no passado. Contudo, ao invés de uma gloriosa jornada diplomática e heroica no Mundo dos Homens, o "prêmio" de Nu'Bia foi ser a guardiã da Porta do Inferno grego. Sua função também era proteger as amazonas vizinhas à entrada do Tártaro.
Nu'Bia quase morreu em missão e foi curada pelo deus zoroástrico Ahura Mazda, com quem engatou um romance. Mais tarde, Nu'Bia visitou o Mundo dos Homens para recuperar o coração roubado de Mazda. Esta permanece como a última encarnação da guerreira a agraciar as páginas de "Mulher-Maravilha" - ao menos na continuidade padrão da DC.
Desde então, Núbia só tem sido lembrada em histórias alternativas. Geralmente, por roteiristas que não sabem reinventá-la.
A "Crise Final", por exemplo, trouxe mais uma interpretação problemática da amazona. Nessa versão, o roteirista Grant Morrison a reintroduziu como a Mulher-Maravilha da Terra-23. A trama peca ao sugerir que uma Mulher-Maravilha negra só pode existir em uma realidade onde a maioria dos heróis é negra.
A série de graphic novels "Mulher-Maravilha: Terra Um" também não fez muito por Núbia, tendo-a como uma líder secundária e possível amante da rainha Hipólita. Na recente "Wonder Woman: Dead Earth", a guerreira pouco fala e é uma das amazonas deformadas pela radiação de uma hecatombe nuclear.
Já as HQs baseadas no game "Injustice 2" trouxeram a melhor iteração de Núbia desde sua concepção - nesse universo, ela se torna a Mulher-Maravilha após o envolvimento de Diana com o Regime torná-la indigna do título.
É trágico que "Injustice" tenha sido a única HQ a explorar o real potencial de Núbia em 43 anos de publicação. Passaram-se a Crise Infinita, os Novos 52 e o Renascimento - Núbia nunca mais teve uma aparição canônica em nenhuma fase recente da Mulher-Maravilha nos quadrinhos.
Núbia surgiu como uma inspiração falha, racista e insensível da DC Comics no movimento da comunidade afro-americana pelo fim da discriminação e por direitos iguais - uma luta que não foi capaz de estabecê-la da maneira como foi concebida: uma igual.
O grito negro por justiça acaba de voltar a ecoar, em 2020 - que manifestações como esta e "Nubia: Real One" possam inspirar uma reinvenção da personagem e ela se torne a Mulher-Maravilha que pode ser.
Nu'Bia enfrenta Diana na era Pós-Crise. Créditos - DC Comics/Reprodução da Internet |
Contrastes de teor duvidoso com Diana ainda persistiam nesta era, ainda que Nu'Bia não fosse mais gêmea da Mulher-Maravilha.
Agora nascida uma guerreira entre as demais de Themyscira, Nu'Bia se destacava por ter vencido o mesmo torneio que Diana no passado. Contudo, ao invés de uma gloriosa jornada diplomática e heroica no Mundo dos Homens, o "prêmio" de Nu'Bia foi ser a guardiã da Porta do Inferno grego. Sua função também era proteger as amazonas vizinhas à entrada do Tártaro.
Nu'Bia quase morreu em missão e foi curada pelo deus zoroástrico Ahura Mazda, com quem engatou um romance. Mais tarde, Nu'Bia visitou o Mundo dos Homens para recuperar o coração roubado de Mazda. Esta permanece como a última encarnação da guerreira a agraciar as páginas de "Mulher-Maravilha" - ao menos na continuidade padrão da DC.
Desde então, Núbia só tem sido lembrada em histórias alternativas. Geralmente, por roteiristas que não sabem reinventá-la.
Núbia, a Mulher-Maravilha da Terra-23, ao lado do Superman local. Créditos - DC Comics/Reprodução |
A "Crise Final", por exemplo, trouxe mais uma interpretação problemática da amazona. Nessa versão, o roteirista Grant Morrison a reintroduziu como a Mulher-Maravilha da Terra-23. A trama peca ao sugerir que uma Mulher-Maravilha negra só pode existir em uma realidade onde a maioria dos heróis é negra.
Núbia em "Mulher-Maravilha: Terra Um". Créditos - DC Comics/Reprodução |
A série de graphic novels "Mulher-Maravilha: Terra Um" também não fez muito por Núbia, tendo-a como uma líder secundária e possível amante da rainha Hipólita. Na recente "Wonder Woman: Dead Earth", a guerreira pouco fala e é uma das amazonas deformadas pela radiação de uma hecatombe nuclear.
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É trágico que "Injustice" tenha sido a única HQ a explorar o real potencial de Núbia em 43 anos de publicação. Passaram-se a Crise Infinita, os Novos 52 e o Renascimento - Núbia nunca mais teve uma aparição canônica em nenhuma fase recente da Mulher-Maravilha nos quadrinhos.
Núbia alcança seu potencial graças a "Injustice 2". Créditos - DC Comics/Reprodução |
Núbia surgiu como uma inspiração falha, racista e insensível da DC Comics no movimento da comunidade afro-americana pelo fim da discriminação e por direitos iguais - uma luta que não foi capaz de estabecê-la da maneira como foi concebida: uma igual.
O grito negro por justiça acaba de voltar a ecoar, em 2020 - que manifestações como esta e "Nubia: Real One" possam inspirar uma reinvenção da personagem e ela se torne a Mulher-Maravilha que pode ser.
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