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#ToBeContinued: Quero minha vida de volta


... Precisava fazer algo, o celular, isso o celular. Teclei os números impressos no cartão. - Vou ligar para aquele desgraçado. Atende porra!

"O número chamado está desligado ou fora da área de cobertura".


Capítulo 1 - Mudança Radical
Capítulo 2 - Sangue nas Mãos
Capítulo 3 - A derrocada final



#ToBeContinued: Quero minha vida de volta 

Capítulo IV

Uma alma bondosa

Tentei inutilmente retornar a ligação, a resposta da caixa postal era sempre a mesma: "O número chamado está desligado ou fora da área de cobertura". Com as mãos na cabeça, olhando aos céus, clamando por misericórdia de um ser místico - sei lá - um Deus, clã, pai de santo... Queria entender por qual motivo minha vida havia mudado tanto. - Gritei, erguendo as mãos ao alto: "Sabe Deus, é, você mesmo Deus... Se é que você existe. Primeiro foi minha mãe, depois meu dinheiro, agora minha casa e por último minha dignidade. O que mais você quer tirar de mim? Já não zombou o bastante da minha cara? Sabe, quando era menina prometi a mim mesma nunca, nunca, pedir ajuda de um Deus onipotente que usa da sua espiritualidade para "ajudar" fiéis, achava ridículo, uma fraqueza, algo que desmoralizava o ser humano. Talvez esse tenha sido o meu pecado, não te dar valor, não me prostrar aos seus pés, suplicando, chorando...".

Os olhares da vizinhança tinham um foco: Camila, a megera que perderá tudo. Meus joelhos penderam no chão, as lágrimas já não tinham mais a mesma intensidade de antes, a solução salgada que emergia das pálpebras já fazia parte da essência, era algo que não tinha mais cessamento. Sentava fiquei, ninguém, nem Dona Iolanda, Seu Cleiton, a minha antes amiga Jéssica. Todos ficaram inertes apreciando o show da estrela decadente. Cansados, entraram em suas casas. Ao lado dos sacos de lixo com meus pertences repousei. Minha casa agora era ao lado da moradia dos cães.

- Senhora? Senhora? - Prontamente acordei, sonolenta e com frio pude ver o lixeiro na rua. - Senhora? Está tudo bem? - Limpei os olhos, esfregando lentamente até a visão ficar mais limpa e ampla. - Oi, pois não. - Disse-lhe com voz fraca. - Posso lhe ajudar? - E estendeu sua mão em minha direção. 

- Meu nome é José, José Carlos, mas pode me chamar de Zé. Estava fazendo meu serviço e a encontrei sobre uma pilha de sacos de lixo. - Espirrei, colocando aos mãos no nariz, limpei o restante na blusa e levantei cambaleando. - Obrigado, meu nome é Camila e acredite se quiser eu era dona desta casa. Sim essa casa aqui no fundo. - Estendi a mão direita em sua direção. 

Que aperto forte. As mãos ásperas não se importaram em tocar os vírus oriundos do espirro, nem tampouco a sujeira após uma noite nas ruas. Seus olhos eram piedosos, inchados, densos, muito provavelmente pelas horas e horas de trabalho. Sorriu e ajudou-me a levantar. Em um gesto de gentileza pegou meus pertences, arqueou em suas costas e seguiu até duas quadras abaixo. Era uma padaria, simples e bem aconchegante. - Me espere aqui. - E colocou os sacos novamente no chão. Quando retornou cinco minutos depois, trazia em suas mãos grossas e secas um copo de leite com café e um pão com manteiga recém passado na chapa. 

Não pude conter as lágrimas, chorei e chorei. O abracei, agradeci e beijei seu rosto enrugado e marcado por histórias de vida. - Espero que isso mate sua fome por hora Camila, sinto muito não poder fazer mais. Tenho que trabalhar, meu horário de descanso terminou. Preciso voltar. - Mais que depressa agarrei em sua jaqueta. - Espere, e o senhor não vai comer?. - Com um sorriso calmo e sereno respondeu: "Não Camila, felizmente só tinha dinheiro para uma refeição e a minha refeição foi fazê-la se sentir melhor". Me beijou na testa e caminhou em direção a um caminhão parecido com um de lixo.  

Naquele momento senti uma dor no fundo do coração, uma pontada ardente, quente, visceral. Um chute na boca do estômago, um puxão de orelha. A figura masculina nunca fora uma imagem pela qual mantive consideração, meu pai havia destroçado tudo que havia de bom em mim, mas o lixeiro José Carlos havia me renascido. O pão com manteiga e o leite quente foram mais que alimento, foram um vigor. 

Assim que acabei de tomar o café da manhã, entrei no estabelecimento apesar os olhares de reprovação. No caixa o atendente. - Pois não, no que posso ajudá-la?.

- Gostaria se possível de usar o banheiro.

Sinto muito, foi a resposta que tive. O banheiro só pode ser usado por clientes que consomem. Rebati.

- Perdão pela inconveniência, mas acabei de comer um pão com manteiga acompanhado de um café com leite. Um senhor moreno, alto e forte chamado José Carlos que pagou. 

Risos, apenas risos. O atendente debochava da minha cara, ignorava, lavava copos e atendia outros clientes. Tentei mais uma vez.

- Senhor, meu senhor, me escute. Preciso usar o banheiro, já fazem mais de 12 horas que não sei o que significa um vaso sanitário.

Desta vez um olhar torto e pouca satisfação, ignorou, enxaguou alguns copos  e retornou o foco. Seus olhos me mediam de cima a baixo, da ponta do cabelo até a unha do dedo mindinho. - Só pode usar o banheiro quem consome. - Repetiu a mesma frase, apontando o dedo indicador para a saída da padaria.

Por mais que o dia tivesse começado bem, não contive. O extinto de auto defesa falou mais alto, bati as mãos no balção de mármore, subi nos apoios laterias da cadeira e gritei: "Meu pai amado, o senhor por acaso é surdo? Quantas vezes vou ter que repetir hein? Já consumi sua comida hoje. Um senhor moreno, alto e forte de nome José Carlos pagou um pão com manteiga e um copo de leite com café para mim há cerca de 30 minutos atrás. Ele trabalha como lixeiro. Será que agora posso usar o banheiro?".

De olhos esbugalhados, repousou o copo na pia, jogou o pano de prato sobre os ombros e olhou em minha direção. - Saia agora do meu estabelecimento, você não comeu nada aqui, o caminhão de lixo não passa nesta rua às terças-feiras e muito menos existe um senhor chamado José Carlos trabalhando como lixeiro. Vá enganar outro. - Retruquei. - Como assim não existe José Carlos? Eu vi moço. Não estou louca.

- José Carlos, Carlos José, o diabo que o carregue. Moro neste bairro deste que me entendo por gente, conheço todos. Os lixeiros que fazem essa linha são o Dantas e Carvalho, ambos brancos e magros. Agora se for possível, saia daqui, está assustando meus clientes.

Primeiro fiquei em estado de choque, depois peguei os sacos e caminhei até a porta da padaria. Pensamentos e mais pensamentos, queria entender o que havia acabado de acontecer. 

Joguei os sacos nas costas e subi dez quadras, até chegar ao almoxarifado da prefeitura. Bati palmas e de lá de dentro um senhor grisalho atendeu. - Bom dia. 

- Bom dia, o meu nome é Camila e gostaria de saber uma informação de um funcionário de vocês.
- Claro, fale-me o nome.
- José Carlos, ele trabalha como lixeiro, é negro, alto e bem forte. 

Pensou, consultou o computador, depois um livro antigo, o ponto e retornou.

- Camila, você tem certeza que viu esse homem?
- Sim. - Respondi prontamente.
- Sinto informar então que algo está errado, existiu sim um homem chamado José Carlos aqui, mas ele faleceu a mais de 10 anos. 

Arrepiei, juro que naquele momento minhas pernas gelaram de medo. 

- E digo mais, esse senhor morreu de fome, ele trabalhava e ajudava os pobres. Sua vida era ajudar o próximo. Quando faleceu, todos daqui ficaram de luto, por meses. Parecia que uma ferida tinha sido aberta. 
- E como ele morreu? Quais circunstâncias? 

O funcionário tossiu levando as mãos em coque a boca.

- Era um homem muito bom, de coração aberto. Uma de suas sobrinhas precisou de um transplante de médula e sangue, e José doou. Ficou anos nessa vida. Por isso acabou desenvolvendo uma anemia forte e não conseguia mais comer, tudo que colocava na boca, vomitava. Definhou tanto que morreu de fome. Estava esquelético no caixão. 
- E a sobrinha?
- Felizmente sobreviveu, hoje, mora nos EUA. Ganhou uma bolsa e vive lá com a namorada. 

Obrigada, respondi. Desci os degraus e andei até o portão de saída. - Camila. - Gritou o guarda. 

- Esqueci de lhe falar, José Carlos está enterrado no cemitério da Consolação, caso queria ver sua foto na lápide. 
- Obrigada, irei sim. 

O sol já estava quente quando entrei no cemitério. O clima era denso, pesado, parecia que estava revivendo toda a dor do enterro de minha mãe. Fui até a administração e perguntei sobre a lápide em questão. - Lado esquerdo, próximo do cruzeiro de orações, corredor J, cova 10. - Obrigado.

O vento sobrava forte e o cheiro não era dos melhores. Avistei o cruzeiro, virei a esquerda, contei os corredores e depois as covas. Era ele, sim, era ele. José Carlos, o senhor que me ajudará mais cedo estava morto. Senti um frio na espinha.

Estava quase pirando, sentei na cova ao lado em busca de ar, fixei os olhos no chão e foi neste instante que reconheci uma medalha. Era a medalha que minha mãe sempre carregava consigo. Assustada olhei para a lápide. Não podia crer no que meus olhos indicavam, a cova era a de mamãe. 

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Que pena, acabou. Agora que o suspense estava surgindo. Pois bem amigos, quem continuará este capítulo será a @dannydemoura. Até lá, então. 

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