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| Alinne Moraes, Cauã Reymond e Andréia Horta em arte promocional da novela 'Um Lugar ao Sol'. Créditos: Rede Globo |
O hiato acabou! A principal faixa de novelas no Brasil ganhou um novo olhar, agora através da perspectiva de Lícia Manzo. Uma das grandes autoras brasileiras, Manzo, chega com a difícil missão de 'reinaugurar' o prestigiado horário de folhetins - que antes - devido a pior fase da pandemia de Covid-19 foi ocupado por reprises e mais reprises. Inteiramente gravada, 'Um Lugar ao Sol' não foi a pioneira, mas sua estreia foi (sem desprestígio) uma das mais aguardadas; seja pelo brilho e a estética de Lícia, ou ainda pela condução de Mauricio Farias na condução da direção artística, trazendo o frescor e os meandros do cotidiano brasileiro.
Contra-atacar, contra-atacar eu vou traçando vários planos para poder contra-atacar. Várias notas musicais e é como um contra-ataque que a nova novela inédita do horário nobre surge em detrimento dos folhetins reprisados anteriormente.
Lícia Manzo, autora claramente conhecida através de seus dois trabalhos no horário das seis (Sete Vidas e A Vida da Gente), por trazer personagens complexos, profundos, em que seus diálogos funcionam como se fossem uma sessão de terapia, decide desta vez, colocar em questão o corrompimento do dia a dia, a nuance tênue de que a subjetividade de cada um, pode ser sutilmente outra, em face das oportunidades e das contingências da vida.
Quem nunca pensou como seria ocupar outro lugar, viver outra vida? Poder escolher ser outra pessoa, ocupar um lugar que se não fosse pelo acaso, poderia ser seu. Você faria melhor, pior... diferente...? Com essa pauta, 'Um Lugar ao Sol' faz uso da clássica troca de gêmeos, aparentemente um clichê da teledramaturgia, para discutir com profundidade a perda da identidade na obtenção de reconhecimento e na busca de um lugar ao sol.
A metáfora dos gêmeos permite pensar uma constante retórica do ‘eu e do outro’ daquele que pode ou poderia ser igual, mas que mesmo cheio de semelhanças, é impossível desviar-se da diferença que habita, singularmente, cada um de nós. Em uma sociedade de sombras, marcada pela desigualdade e injustiças sociais, a trama de Lícia Manzo faz uso da semelhança, no caso de gêmeos, para marcar a diferença. Aquilo que reflete no espelho, nem sempre é o que reconhecemos.
Como bem frisa o teaser da produção, é preciso lidar com suas sombras para obter um lugar ao sol, e é destas que a trama faz uso para se desenvolver. Por fim, é uma proeza ter Lícia Manzo no horário nobre, seu texto refinado, profundo que coloca em xeque a dimensão afetiva que envolve o lugar que cada um ocupa na vida do outro, permite de fato um contra-ataque a frequência de produções que fazem uso de recursos saturados como vingança, amor e ódio.
Acostumado com a direção de Jayme Monjardim nas telenovelas da autora, o telespectador mais perspicaz logo irá notar a virtude extremamente válida na assinatura direcional artística de Maurício Farias, profissional responsável pelas séries 'Hebe' e 'Filhos da Pátria' que carregam uma carga dramática interessante, e também pela dose cômica presente nas 'sitcoms' de Farias como as brasileiríssimas 'Tapas & Beijos' e 'A Grande Família'. Mauricio une os dois mundos que Lícia necessita em sua estreia no horário nobre, a estética textual apresentada ao público de casa - que através das lentes de sua câmera - terão a oportunidade de nutrir um conteúdo mais humano e que abraça a proposta da novela, de ser 'cult', mas ser acessível.
Criada e escrita por Lícia Manzo com a colaboração de Leonardo Moreira (Coisa Mais Linda), Rodrigo Castilho (O Negócio), Carla Madeira, Dora Castelar (A Vida da Gente), Marta Goes (A Vida da Gente) e Cecília Gianetti, 'Um Lugar ao Sol' preservou a linha tênue entre o ficcional e o factual, cenário tão vivaz nas conduções de autoria da mesma. A crítica é presente, natural, emblemática. No 'piloto' da novela é possível notar certas divisões, onde a equipe cria espaços temporais onde os personagens do núcleo principal criam laços e explicam ao público o motivo de estar (ali, aqui, em determinado horário e data...) - tudo leva a um motivo e posteriormente a uma missão. A troca dos irmãos é apenas uma das ferramentas da novela, que apesar do grande chamariz apresenta tantos outros temas importantes através de um roteiro fluído e que acalenta o telespectador. Em poucas palavras, é uma isca, que busca sobretudo: evidenciar que por trás dos gêmeos, existe um passado deveras intrigante.
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| A doação e amor entre os irmãos de alma, Ravi e Christian é um presente. Créditos: Rede Globo |
Diferente de outras produções que propagandeiam grande parte dos personagens logo no primeiro capítulo 'Um Lugar ao Sol' vai justamente na contramão. A princípio pode até parecer angustiante, denso, demorado, fadigado, mas é uma técnica de roteiro bastante notável, vez que, gera no público o sentimento de 'quero mais'. E não precisa de pressa, a trama será curta e com poucos personagens, logo, o desenvolvimento e apresentação dos núcleos pode ocorrer com naturalidade, como uma esquete da vida cotidiana. Em caráter de destaque no quesito atuação é preciso evidenciar ao menos três: Cauã Reymond, como os gêmeos Renato e Christian, com facetas extremamente opostas, autoexplicativas, seja através de gestos, atitudes e até no olhar assustado. Juan Paiva, como Ravi, uma jovem promessa da teledramaturgia brasileira e Ana Beatriz Nogueira, retornando às novelas no papel que mais brilha: como mãe. Andréia Horta e Alinne Moraes ficaram devendo, mas não pela atuação e sim pelo pouco tempo de tela. O que foi levado ao ar, ainda não diz muito sobre suas personagens.
A fotografia de 'Um Lugar ao Sol' divide opiniões. O tom ébrio, escuro e pragmático da trama, envolto pelo suspense do protagonista que grita: 'Contra-atacar, contra-atacar eu vou traçando vários planos para poder contra-atacar' - talvez explique muito bem o estilo adotado pela equipe da novela no processo de escolha de um filtro mais acinzentado, vezes alaranjado e até completamente nebuloso. Causa estranheza, pois é diferente, principalmente após uma faixa dedicada quase que exclusivamente ao colorido e alegre. As conversas dos personagens tangem para esse viés, o de seriado e neste parâmetro a decisão parece coerente, porém no contexto geral, ao ilustrar as mazelas da sociedade, os preconceitos e as nuances do proletariado versus a nobreza carioca, a escolha do filtro seja um equívoco. No entanto, a mescla do abrasileirado com o matiz turva seja uma decisão coerente, pois nem sempre o cotidiano do ser humano é um arco-íris. Outras novelas recentes da América Latina apostaram no chamado vulgarmente 'filtro de série', como o caso de 'Te Acuerdas de Mí' da Televisa, 'La Venganza de Analía' da Caracol Televisión e até a nova versão do clássico 'Café con Aroma de Mujer' da Telemundo. A tentativa é clara: 'americanizar' uma obra, torná-la consumível para o mercado, porém para abraçar essa ambientação é preciso primeiro alocar esse filtro no tema da novela, papel que 'Um Lugar ao Sol' até o momento se propôs a fazer.
O tema de abertura da novela ao som de 'Sulamericano' do grupo BaianaSystem funciona muito bem como elemento de criação, vez que, fala sobre o protagonista e sua busca por respostas, além de mostrar toda a brasilidade da obra.
'Um lugar ao Sol' traz luz a questionamentos muito pertinentes na época de sombras que estamos vivendo. E aí caro leitor, você deixaria de ser quem é para chegar aonde quer?
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